sexta-feira, 2 de maio de 2008

Melodia

Passei pela rapariga
E sai do quarto.
Comecei a espreitar com mais atenção
As divisões daquele lugar.
Ouvia o bater dos saltos dos meus sapatos
No chão.
A rapariga seguia-me com o meu peluche
Ainda entre os seus braços
E o gato preto encostava-se
Às minhas pernas.
Ele gostava de mim
E isso deixava-me feliz
Sem eu compreender bem porquê.
Entrei no quarto com as várias camas.
Estas eram de ferro
E por cima do colchão
Só havia o resguardo
E uns finos lençóis brancos.
Talvez fosse o quarto da criadagem,
Afinal um castelo tão grande como aquele
Devia ter muitos criados
Apesar de eu nunca os ter visto.
Sai e avancei para o quarto com a secretária.
Estava muito arrumado:
Os papéis em pilha em cima uns dos outros,
Uma máquina de escrever
Cujas teclas estavam gastas
Pelo uso.
Os nervos começaram a manifestar-se
Energicamente
E não conseguia controlá-los.
Não conseguia ver o resto
Por mais curiosidade que sentisse.
Dirigi-me para a sala
Onde o tinha visto sentado,
Tão sério.
A rapariga entregou-me o peluche
E começou a arrumar.
Exactamente do lado oposto
À porta por onde ele entrara
Estava um quadro que me chamou bastante a atenção.
Aproximei-me para o analisar com mais atenção.
O gato sentou-se ao lado das minhas pernas.
O quadro mostrava uma serra
Com um castelo no seu topo.
Castelo esse que era vivo,
Cheio de alegria
Com os telhados vermelhos
E as paredes cobertas de trepadeiras.
De repente
Senti um vulto passar atrás de mim
Mas quando olhei
Só vi a rapariga
A levantar a mesa
Muito calma e alegremente
E o gato continuava a meu lado.
Voltei a analisar o quadro.
O sol brilhava por trás
E não havia nuvens no céu.
Comecei a ouvir uma melodia
De piano.
Tinha-me esquecido completamente de visitar esse quarto.
Dirigi-me para lá cautelosamente.
Encostei-me à ombreira da porta.
Não podia ter tido melhor imagem.
Era ele que estava a tocar.
Estava sentado no banco
Com os olhos fechados,
Concentrado na melodia.
Os seus dedos deslizavam pelas teclas brancas.
Entrei
E sentei-me junto a ele
Que abriu os olhos
Com o susto.
Devia estar a passar
Para as teclas os seus pensamentos
Numa melodia encantadora,
Romântica,
Amorosa.
Ele parou de tocar
E olhou-me a sorrir.
Queria que eu tocasse
Mas eu não sabia.
Então,
Ele pegou nas minhas mãos
E colocou-as em cima do teclado,
Com ele comecei a tocar
Desastradamente.
Senti-me feliz por ele estar ali comigo
Sem se ter ido embora
Como já tivera feito
Anteriormente.
Parei de tocar
E sorri para ele.
Ele ainda tinha as suas mãos sobre as minhas
E nesse momento,
Ele largou-me uma mão
E levantou-me.
Começamos a dançar
No silêncio daquele quarto.
Ele dançava extraordinariamente bem.
Não havia palavras para aquilo que eu sentia naquele momento.
Parámos e eu permaneci
De encontro o seu peito
A ouvir o batimento normal do seu coração.
Não sabia como ele conseguia estar tão sereno,
Eu começava a ficar nervosa
Com medo do que poderia acontecer a seguir,
Com medo que ele se fosse embora
Novamente.
Desencostei-me dele
E observei-o.
Ele sorriu
E arrastou-me de novo para o banco do piano.
Sentei-me mais uma vez a seu lado
E ele recomeçou a tocar.
A senhora idosa encostou-se
À ombreira da porta
Onde eu tinha estado.
Olhei-a e era a mesma que me tinha ajudado
E a que estava no quadro do hall do castelo.
Depois chegou a rapariga
Que abraçou a senhora por trás
E permaneceram as duas
A olharem para nós.
Olhei para o rosto do meu rapaz
De olhos verdes
E cabelo preto
E vi outra vez o mesmo sorriso.
Não estava a compreender o que se estava a passar naquele quarto.
Ele colocou a sua mão
Na minha anca
E eu pousei a minha cabeça no seu ombro.
Assim ficámos
Para aquele que eu agora quero chamar
“Todo o sempre”.


FIM.

Eunice Vistas
25.04.2008