segunda-feira, 31 de março de 2008

Fim

Finalmente
Pararam.
Pararam de me gozar.
Não derramava mais sangue
Dos meus pulsos em cicatriz.
Mas a qualquer momento podiam reabrir-se.
Já faltava pouco,
Muito pouco,
Para o ver novamente.
Sai cautelosamente da gruta,
Receosa,
Pois nunca se sabe o que podemos encontrar.
Deixei o vidro para trás,
Mas comigo,
Levei o peluche.
Ele que me ajudou depois de me cortar.
Como se estivesse estado à minha espera,
Sabendo que o ia encontrar
E que ia precisar dele.
Ajudou-me a suportar a dor
E a alivia-la.
Bastou fazer com que ele sentisse o meu coração agitado
E que eu sentisse o seu pêlo macio.
Retomei o meu caminho.
A minha estrada nunca mais parecia ter fim.
O meu estado de espírito
Estava leve.
Não sentia nada:
A dor desvaneceu-se,
O meu coração não estava apertado,
Não sentia alegria
Nem tristeza.
Não sentia ânsia
Nem remorso.
Subitamente
A minha estrada acabou,
Aparecendo à minha frente
Uma espécie de deserto.
Mas esse deserto não era um deserto comum.
Haviam tendas a servirem de casa
E um único poço.
Havia animais
E pessoas,
De todas as idades,
Com roupas rasgadas
E completamente imundas.
Elas observavam-me:
As crianças com curiosidade,
Os adolescentes com indiferença,
Os adultos com desagrado
E os idosos com repreensão.
Reparei numa adolescente
De olhos azuis
Bastante brilhantes
Que não mostravam nenhum sentimento negativo,
Mas sim felicidade
Como se soubesse que o meu caminho acabava ali.
Sem saber porquê,
Abriram um corredor.
Aproximei-me de uma senhora idosa
Cujos olhos mostravam vazio,
E ela apontou
Para a direita.
Olhei nessa direcção
E avistei um castelo
No cimo de uma serra
Rodeado de nuvens negras
Que relampejavam.
Era o reino das trevas
Que estava mesmo à minha frente.
O medo invadiu-me.
Os meus olhos castanho claros,
Cerraram-se.
A senhora
Pegou-me na mão
E percorreu comigo o corredor.
O toque da sua mão era áspero,
Frio.
O seu andar era lento.
As restantes pessoas
Continuavam a olhar-me,
Mas eu não as compreendia
E queria compreender o que se passava,
Queria saber porque me olhavam assim.
Quando chegámos ao fim,
Ela virou os meus pulsos para cima
E passou o seu indicador pelas cicatrizes.
Olhou para mim com curiosidade.
Eu encolhi os ombros.
Tentei ver alguma coisa no seu olhar
Que satisfizesse a minha curiosidade
Mas antes de conseguir analisar devidamente,
Ela largou-me
E empurrou-me na direcção da serra.
Ela queria que eu lá fosse.
E assim fiz.
Virei costas
E agradeci à senhora
Pela ajuda.
Comecei um novo caminho,
Que não era o meu
Sem saber até onde
É que ele me levaria.

Eunice Vistas
2008.03.28

segunda-feira, 17 de março de 2008

Dor

O sol batia forte nos meus cabelos castanhos,
O calor abrasador que se fazia sentir

Era desconfortante.
Continuava a caminhar
Por entre as árvores mortas
E os arbustos sem flor
Sobre o alcatrão escaldante.
Sentia a garganta seca
Mas do meu coração,
Escorria sangue.
Necessitava de água,
E dele.
Ele estava com um cântaro nas mãos,
Os seus olhos brilhavam como estrelas,
O seu cabelo preto não voava.
O vento não se sentia.
O meu coração secou,
Os meus olhos abriram-se mais,
O meu ânimo ficou leve
E o meu ser encheu-se de esperança.
Desta vez não era o vento
Eu tinha a certeza disso.
Comecei a correr desesperadamente,
Ele recuou, novamente.
Os seus olhos mostravam preocupação.
A minha sede aumentou.
Não sabia se estava a correr por ele ou pela água,
Mas não conseguia raciocinar.
Queria ambas
Qual delas a com mais intensidade.
Corri ainda mais depressa.
Quando me atirei para os seus braços ocupados,
Cai.
Virei-me e vi-o parado,
Observando-me.
Os seus olhos encontraram os meus,
E um arrepio percorreu o meu corpo
De uma forma tão intensa,
Como eu nunca tinha sentido,
Nem quando nos cruzámos pela primeira vez.
Ele começou a subir pelo céu
A caminho do Sol,
Mesmo antes de eu ter consciência do que se passava.
Estava a desaparecer pela terceira vez,
E eu não o podia impedir.
Estendi-me no chão e reflecti.
Aquele curto momento tinha sido estranho.
Ele era cada vez mais uma miragem.
O meu coração apertou-se,
Chorou.
Chorei com lágrimas secas
Que percorriam a minha face.
O Sol chorou
Dando lugar às nuvens.
Às mesmas que mo levaram da primeira vez.
Eram negras
Como o meu espírito naquele momento.
Elas riam-se maleficamente
Deixando escapar chuva e relâmpagos assustadores.
As árvores ganharam formas fantasmagóricas,
Os arbustos pareciam monstros prontos a atacar.
Tinha de me abrigar.
Avistei uma gruta ao longe,
E encaminhei-me para lá.
Entrei.
Relampejou.
No chão da gruta
Estava um vidro partido e um peluche.
Pensei sobre o que é que poderia fazer com ambos
E descobri que com o vidro eu podia cortar-me
De modo a aliviar a dor psicológica que sentia.
Peguei nele,
Fechei os olhos
E juntei-o ao meu pulso.
Cravei-o e arrastei-o.
Gritei.
Senti-me leve,
Aliviada.
Cravei-o no outro pulso
E fiz o mesmo.
Gritei novamente.
Já era demais.
A dor psicológica continuava a ser mais forte que a dor física.
O sangue que escorre do meu coração
Era agora libertado pelos meus pulsos abertos.
Agarrei o peluche
Com os pulsos a sangrar.
Envolvi-o nos meus braços,
Sujando-o.
O seu pêlo era macio,
Bastante reconfortante.
Não podia ficar ali muito mais tempo,
Eu queria encontrá-lo,
Queria estar nos seus braços.
Olhei para o meu dedo
E vi.
Vi a aliança que ele me deixara da primeira vez
E revivi tudo novamente.
Quando a tempestade parar
Eu continuarei o meu caminho.
Sei que a cada quilómetro que percorro
Fico mais próxima dele
E sinto que falta pouco,
Muito pouco para isso.
Depois das nuvens pararem de me gozar,
Eu vou,
Até ele.

Eunice Vistas
2008.03.15

domingo, 2 de março de 2008

Maldição

Tinha de parar,
Já não sentia os meus pés doridos e a minha alma perdida.
Encostei-me a uma árvore negra,
Algures na berma da minha estrada
Ainda deserta.
Não queria acreditar que ele me tinha deixado,
Que ele se tinha ido embora sabe Deus para onde.
Castigo.
Oh, só podia ter sido castigo.
Eu tinha um rapaz cujo coração me pertencia,
Agora não.
Ele partiu e com ele levou o seu coração.
Quanto ao meu,
Sentia-o sim,
Mas fortemente apertado
Como se uma rosa coberta de espinhos e pétalas negras
Mo estivesse a ferir.
Sentia as paredes do meu coração quebrarem-se gradualmente
À medida que as lágrimas de sangue iam escorrendo ao longo da minha pele.
Eu era má.
Mas as pessoas más não o admitem.
Eu admito,
Porque reconhecia que o era.
Desprezei-o e fui orgulhosa,
Ignorei aquele que me amava.
Quis seguir em frente porque,
De certa forma,
Sabia que poderia encontrar melhor.
Agora,
Perdi tudo.
Fui ignorada por aquele a que eu chamava de “Perfeito”.
Fechei os olhos.
Sentia o odor da natureza.
A minha alma desejava o impossível.
O meu corpo desejava a terra.
Eu desejava-o a ele.
Comecei a ouvir uma respiração ofegante
Que não era a minha,
A interromper os meus pensamentos.
Ele, ele, ele, ele.
O rapaz dos olhos verdes
E cabelo preto estava ali.
Abri os olhos.
Vi aquela figura que estava guardada no mais fundo de mim.
O seu cheiro invadiu-me.
Ajoelhei-me e estiquei os braços para o abraçar
Para lhe pedir perdão,
Para lhe pedir que não partisse novamente.
Mas ele afastava-se.
O meu corpete impedia-me os movimentos,
A minha saia rasgou-se.
Pestanejei
E ele desapareceu.
Senti uma brisa fria contra o meu rosto coberto de lágrimas.
O Vento.
Tão bom que era senti-lo naquele momento mas,
Foi ele.
Ele iludiu-me.
Maldito seja.
Recostei-me contra a árvore novamente.
A Lua começava a desaparecer
Dando lugar ao Sol.
Este queria acordar,
Eu queria dormir, sonhar.
A Lua queria ficar,
Eu queria partir.
As árvores queriam gritar,
Eu queria o silêncio.
Todos necessitavam-se mutuamente,
Eu necessitava dele.
A claridade ia surgindo
E eu tornava-me cada vez mais
Uma mancha negra na minha estrada.

“Perfeito, perfeito,
Ele, perfeito, perfeito
Perfeito, ele, ele, ele.
Olhos verdes, perfeito
Cabelo preto, ele, ele.

Perfeito…
Ele.”


Eunice Vistas
2008.02.28

Negrume

Caminhava sozinha,
Sem rumo através de uma estrada desconhecida,
Rodeada por arvoredos assombrados e maléficos,
Levava comigo um pensamento irreal.
Um sonho nunca realizado.
O vestido preto tapava-me os joelhos,
O corpete apertava-me furiosamente o peito, sufocando-me,
Tinha olhos tristes e sombrios, rodeados de preto.

A Nordeste estava um rapaz,
Caminhando no sentido contrário ao meu.
Olhei bem e vi uns olhos verdes penetrantes,
E um cabelo preto, rebelde, que voava consoante a direcção do vento.
Parou e observou-me fixamente.
Detectei um belo sorriso a formar-se no seu rosto,
Mas continuei a andar, ignorando-o.
O seu sorriso desvaneceu-se no crepúsculo que se formava.

Mais à frente, a Noroeste,
Estava um outro rapaz,
Parado, com as mãos dentro dos bolsos.
Observei-o, e os seus olhos azuis brilhavam.
O seu cabelo castanho voava em diversas direcções.
Começou a andar lentamente na minha direcção,
Um sorriso começava a formar-se na sua fronte.
Aumentou a velocidade do passo.

Senti-me voar em direcção ao crepúsculo
Agora formado.
Os meus pés já não tocavam o alcatrão negro.
Olhei para baixo e vi o que se passava:
Uma formosa rapariga vestida de branco,
Com longos cabelos loiros e olhos castanhos chocolate
Corria na direcção do rapaz
E ele na dela.

Não sentia o coração,
Apenas o vento que passava através de mim,
Não sei bem como, e compreendi o óbvio.
Percebi o que o outro rapaz sentiu
Ao ser ignorado por mim.
Fui sugada e entrei dentro do meu corpo.
Viu-os abraçados, com os lábios unidos.
Recuei.

Ele tinha o olhar baixo,
Detectei um brilho no canto dos seus olhos.
O vento já não soprava os seus cabelos pretos.
Aproximei-me e coloquei a mão sob o seu rosto.
Ele levantou o olhar e viu-me.
Sorriu energicamente face ao meu toque e à minha presença.
Abraçou-me e senti o forte bater do seu coração.
Voamos juntos até frente da Lua Nova,
Rodeados por um céu escuro e uma Lua brilhante.

Descemos à Terra
E os nossos olhares encontraram-se.
Mil palavras foram trocadas durante um silêncio inacabável.
Encostei o meu rosto ao seu peito
E senti o batimento do seu coração.
Estava um frio desconfortável ali,
Mas o calor que sentíamos naquele momento
Era maravilhosamente reconfortante.

Afastei-me dele para ver o seu rosto.
Ele olhava-me apaixonado,
Acariciando-me o rosto.
Pegou na minha mão e colocou-me uma aliança no dedo.
Fechei os olhos durante um curto momento.
Quando os abri, ele tinha desaparecido.
Olhei desorientada à volta sem nada ver,
Apenas a escuridão da minha estrada deserta.
Olhei para o dedo e a aliança brilhava onde ele a tinha deixado.

Não podia ter sonhado.
A aliança era a prova que ele existia.
Recomecei a caminhar,
Mais uma vez sem rumo.
O vento soprava de Sul, empurrando-me,
A Lua estava escondida atrás de uma nuvem culpada.
Sabia que ele me esperava nalgum lado,
Só tinha de o encontrar
E ficar nos seus braços para sempre,
Sem nunca mais fechar os olhos.



Eunice Vistas
2008.02.02