sábado, 16 de agosto de 2008

Lucidez

Ela já era uma mulher.
Os seus tempos de adolescente
Já haviam passado há anos
E os de criança
Há muitos mais.
Agora vivia sozinha.
Tinha a sua própria casa
Algures em Sintra,
Junto da vila.
A casa onde a haviam imaginado.
Agora era dela.
Era lá que exercia a sua profissão
Como escritora.
(“Quando for grande…)
Posso dizer que
Já tinha arrastado multidões
Até aos seus livros.
Público era o que não lhe faltava.
Todos deliravam
(… quero ser uma mulher que…)
Quando aquela “grande” mulher
Aparecia numa conferência de imprensa
Ou na televisão.
Mas
(Como tem de haver sempre um “mas”)
(… ganha dinheiro a…)
Ela não era perfeita
Como a viam.
Ela tinha fraquezas.
Tinha a pior de todas.
Álcool.
(… escrever livros e o esbanja…)
Oh meu Deus,
Quem diria!
Ela era uma agarrada.
Álcool para aqui
E mais álcool para ali.
(… em shots…)
Vodka era a sua perdição,
Sem margem para dúvidas.
À noite,
Cobria-se com uma túnica preta
E enfiava a sua cabeça
(… na Pipa!”)
No capuz.
Arrastava o seu corpo
Alcoolizado
Até ao bar mais perto,
Até à Fonte da Pipa.
Atrás do balcão estava a sua amiga.
Aquela que lhe fornecia o Vodka
Por entrega ao domicilio.
Ela pedia sempre o mesmo.
O poderoso,
(“Eu preferia ficar numa casa velha…)
O maravilhoso
“Green Peace”.
A mistura explosiva
De Gold Strike e absinto.
Com a mão esquerda
(… com uma garrafa de vodka…)
Agarrava o minúsculo copo de shot,
Levava-o à boca
E ao mesmo tempo que engolia
Fechava com força os olhos castanhos.
De seguida,
(… a acompanhar-me…)
Mencionava um “ah” satisfeito
E batia três vezes
Com o copo no balcão.
Pagava sempre com
Uns trocos descuidados
(… segundo após segundo…)
Que pensava chegar aos dois euros
Mas acabava sempre por dar
Mais do que o necessário.
Cambaleante,
Voltava para casa.
(… minuto após minuto…)
Ligava a aparelhagem
E fazia reproduzir
O CD dos Apocalyptica.
“Worlds Collide”!
O seu preferido.
(… hora após hora.”)
Ao som da “Peace”,
Pegava na caneta de tinta permanente
E tentar escrever.
A sua letra não ficava inteiramente legível.
Escrevia sobre a sua vida.
Sobre amores e desamores.
Castigos e aventuras.
Todos os dias
Morria um pouco
Envolta nos seus pensamentos perversos.

“Não és a filha…

“Quando for grande…
“Eu preferia ficar numa casa velha…
…Quero ser uma mulher…
“Estou a ficar cada vez mais…
…Que ganha dinheiro a escrever livros…

…Com uma garrafa de vodka…
…Que eu sempre quis ter.
…E o esbanja
“Gosto muito de ti…
…Em shots na Pipa!”
Eu não tenho filha.”
…A acompanhar-me…
“Morre!
…Segundo após segundo,
…Dependente do álcool,
…Minuto após minuto,
…E tenho a certeza disso
Hora após hora.”
Há muito tempo!”
…Como se ele resolvesse…
Desaparece da minha vida…
…Deixa-me em paz,
…Todos os meus problemas”
De uma vez por todas.
Odeio-te.”

Eunice Vistas
2008.07.17

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